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Paróquia: onde a Palavra se faz vida e missão

No livro dos Atos dos Apóstolos, encontramos o testemunho das primeiras comunidades cristãs. Reunidas em torno do Cristo Ressuscitado, elas viviam com simplicidade, perseverança e ardor missionário. Não eram comunidades perfeitas, mas buscavam responder com coragem os desafios de seu tempo. É a partir dessa experiência que podemos beber para repensar a missão de nossas paróquias hoje, especialmente em um contexto urbano marcado pela escassez de tempo, violência e indiferença.


O capítulo 2 dos Atos dos Apóstolos resume em poucas linhas o que caracterizava a Igreja nascente: “Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações” (At 2,42). Nossas paróquias, quando se deixam iluminar por esse retrato bíblico, redescobrem sua identidade mais profunda: não são apenas espaços de prestação de serviços religiosos, mas comunidades vivas, que se alimentam da Palavra e da Eucaristia, vivem a fraternidade e irradiam a alegria do Evangelho no meio da cidade.


A Palavra de Deus como exemplo de vida comunitária


Uma característica essencial das primeiras comunidades é a centralidade da Palavra. O anúncio dos apóstolos não era apenas doutrina: era vida partilhada, experiência de encontro com o Ressuscitado. Hoje, uma paróquia inspirada na comunidade primitiva precisa ser também uma “casa da Palavra”, onde se valorize a leitura orante da Bíblia, os círculos bíblicos, a células de partilha da Palavra, a catequese fundamentada na Escritura e a homilia como alimento da fé.[1]


É a Palavra que sustenta a evangelização, que ilumina os desafios do cotidiano urbano e que motiva a comunidade a não desistir, mesmo diante das dificuldades. Toda atividade pastoral deve estar centrada na leitura, estudo e vivência da Palavra de Deus.


Um dos principais frutos de uma comunidade paroquial alicerçada na Palavra é a comunhão fraterna – “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma” (At 4,32). Essa experiência de unidade não eliminava as diferenças, mas criava uma base sólida para a missão. Numa cidade marcada por divisões e exclusões, a paróquia pode se tornar sinal de que a comunhão é possível. Como afirma o nosso Cardeal Dom Orani:


Nossas comunidades e nossas igrejas são lugares nos quais a fraternidade é cultivada e a partir dos quais ela é semeada, espalhada generosamente. Nas paróquias e comunidades, com suas pastorais, serviços e movimentos, o Evangelho é realidade cotidiana. Elas são profecia de que é possível viver de um modo mais plenamente humano, conviver de modo fraterno, promover e defender a dignidade de todos e servir uns aos outros.[2]


Hoje, essa comunhão fraterna, se concretiza em nossas paróquias, sobretudo na capacidade de acolher a todos: idosos e jovens, famílias e solteiros, pobres e ricos, pessoas de diferentes culturas e trajetórias. A paróquia se revela como espaço de encontro, casa de todos e sinal de esperança no coração da cidade.


Da casa ao mundo: uma Igreja em saída


Quando uma comunidade vive unida, ela se torna naturalmente missionária. Quem entra em contato com esse testemunho de fraternidade sente-se tocado e provocado a buscar a fonte dessa esperança. As primeiras comunidades se reuniam nas casas, mas não se fechavam nelas. Ao contrário, o testemunho de fé transbordava para as ruas, para as praças, para as cidades vizinhas.


Esse dinamismo desafia nossas paróquias a não ficarem apenas na manutenção de estruturas, mas a assumirem um estilo missionário. A paróquia deve ser “casa entre as casas”, lugar de proximidade, de abertura e de envio. É ali que se forma o discípulo missionário, que depois leva a fé para a família, para o trabalho, para a vida social.


Em um mundo marcado pela pressa, pela violência e pela indiferença, a paróquia pode se tornar um verdadeiro “laboratório de fraternidade”. Ali, aprendemos a conviver, a escutar, a partilhar, a perdoar. É na comunidade que a fé ganha corpo e se torna visível. E é também dali que brota o compromisso social, o cuidado com os pobres, a luta por justiça e paz.


Inspirar-se nas primeiras comunidades significa entender que a missão não é tarefa de alguns poucos, mas de todo o Povo de Deus. Leigos, padres, religiosos e religiosas são corresponsáveis na evangelização. A vida paroquial, quando se abre a esse horizonte, deixa de ser mera rotina e se transforma em caminho de discipulado e de comunhão.


Ser paróquia hoje é ser presença de esperança no coração da cidade, é abrir portas para todos, é escutar a Palavra e deixá-la transformar a vida, é viver a fraternidade como testemunho, é lançar-se à missão com coragem e alegria.


Que cada comunidade paroquial do Rio de Janeiro, inspirada pelos Atos dos Apóstolos, seja uma verdadeira casa da Palavra e escola de evangelização, onde os corações se inflamam pela fé e se tornam missionários no meio do povo. Só assim nossas paróquias continuarão a ser sinais vivos da presença de Cristo no mundo urbano.

 

Pe. Anderson Batista Monteiro

Doutor em Teologia Sistemático-Pastoral.

Professor do Departamento de Teologia na PUC-Rio.

Pároco da Paróquia Nossa Senhora do Bonsucesso de Inhaúma, em Bonsucesso.


[1] CNBB, Diretrizes Derais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2019-2023, n. 89.

[2] TEMPESTA, Cardeal Dom Orani João. Carta Pastoral - Jubileu Arquidiocesano: Um tempo para celebrar e evangelizar, n. 69.



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